A trajetória da pessoa com Transtorno do Espectro Autista no Ensino Superior: o desafio da inclusão


Por em 3 de abril de 2020



ggggIngressar no Ensino Superior é o sonho de vários jovens, mas exige muitas horas de estudo e dedicação. Se essa etapa é difícil para os estudantes regulares, a dificuldade aumenta para aqueles caracterizados com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Conforme o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-5), o  autismo está associado a déficit persistente na comunicação social e na interação social em diversos contextos, incluindo déficit na reciprocidade social, em comportamentos não verbais de comunicação usados para interação social e em habilidades para desenvolver, manter e compreender relacionamentos, além da presença de padrões restritivos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades.

Mesmo nesse contexto no qual se encontram os autistas, vários estudantes com TEA têm ingressado no Ensino Superior, o que requer uma dinâmica pedagógica e de ensino mais inclusiva.

Além disso, a legislação brasileira também evoluiu para garantir, dentre outros direitos, a inclusão da pessoa com autismo no Ensino Superior. Vale destacar a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo (Lei 12.714), criada em 2012, na qual o indivíduo com TEA passou a ser considerado alguém com deficiência para efeitos legais; bem como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei  13.146), de 2015, na qual está previsto que os sistemas educacionais devem ser inclusivos em todos os níveis.

Na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), os alunos com TEA são assistidos por técnicos do Núcleo de Acessibilidade (NAU), setor da IES responsável pelo acompanhamento educacional dos estudantes com deficiência (física, visual e auditiva), transtornos de desenvolvimento, altas habilidades e distúrbio de aprendizagem.

“Nós do NAU fazemos, principalmente, o link entre a questão pedagógica, o processo ensinar e aprender, orientando os professores sobre o universo de uma pessoa com autismo, pois a leitura de mundo de alguém com TEA é completamente diferenciada”, explica a educadora especial Iodelma Tavares Trovão.

Entre os estudantes com TEA que fazem parte do corpo discente da IES está Paulo Roberto Mendonça, que cursa Administração, autista nível 1 – exigindo apoio (considerado autismo leve na antiga classificação).

De acordo com a educadora Iodelma, havia um certo temor no início da vida acadêmica de Paulo porque os professores ainda não tinham experiência nessa área e por não haver uma metodologia específica para atender a pessoas que aprendem de formas diferentes. Então, a primeira ação foi de orientação aos professores.

“O professor deveria ser orientado que o aluno com TEA é capaz de aprender, mas que não trabalhamos com ele na subjetividade porque tem uma leitura linear de mundo, com dificuldade de ler nas entrelinhas o que as pessoas dizem. O professor não pode ter o mesmo olhar e comando para uma pessoa caracterizada como o Paulo, por exemplo. Nós temos uma máxima dentro da educação especial que não existe quem não aprende, existe quem tem dificuldade de ensinar”, comenta a educadora.

Houve uma união entre o NAU e a família de Paulo para propiciar um ambiente de aprendizagem mais adequado à realidade dele. Foi feita uma mobilização com alunos e professores antes do início das aulas para esclarecimento sobre o comportamento que ele poderia apresentar em sala de aula. Porteiros, motoristas e cobradores dos ônibus que circulam no Campus Paulo VI também foram orientados. Caso surgisse alguma dificuldade, eles poderiam entrar em contato com o NAU para poder conduzir a situação.

Sem títuloApós o terceiro período, já havia uma adequação favorável e o feedback de Paulo foi positivo, alcançando mais autonomia. Outro aspecto que contribuiu para a evolução dele durante a graduação é que ele tem uma visão mais holística, diferente de outras pessoas com TEA que podem ter hiperfoco em alguns assuntos.

Solange Nascimento, mãe do estudante, revelou que, inicialmente, sentia-se apreensiva sobre a trajetória dele na graduação, mas que agora vê com alegria o amadurecimento do filho.

“Lógico que ele teve ganho de conhecimento, mas quero ressaltar que, em termos sociais, houve muitos ganhos. Ter uma variedade de professores com personalidades diferentes, começar a usar transporte público que, antes, ele não fazia só. Em relação à convivência com os colegas, fazer parte de um grupo, também favoreceu muito. Aqui, na Universidade, no tempo livre, os estudantes se reúnem, fazem atividades paralelas de entretenimento e isso é legal porque é um ambiente onde ele tem oportunidade de vivenciar outras coisas”, comenta.

É característico na maioria das pessoas com TEA seguir regras, dessa forma, os combinados, estrutura e rotinas devem ser claros para evitar que desorganizem e apresentem comportamentos atípicos.

A mãe de Paulo, que é especialista em Educação Especial e em Análise de Comportamento, também recorreu à Terapia de Análise de Comportamento Aplicado (ABA), na qual há um auxílio de terapeuta. O terapeuta contribuiu durante as reuniões e palestras com alunos, professores e técnicos, esclarecendo as singularidades da pessoa com TEA. Ainda assim, a mãe de Paulo ressalta a importância de um setor na UEMA dedicado às pessoas com deficiência.

“Ter o Núcleo de Acessibilidade é essencial, acredito até que o Núcleo poderia ser mais amplo, ter mais ferramentas práticas a serem aplicadas pelos professores para avaliar alunos e adaptar as disciplinas. Mesmo para quem não tem TEA, é importante um NAU para atender a todos, visto que, em algum momento, alunos, professores e servidores apresentarão uma especificidade, seja ela de aprendizagem social ou dificuldades em lidar com pessoas com deficiência”, disse.

A proatividade e determinação de Paulo para aprender também são fundamentais. Solange afirma que se o filho for impulsionado por algum professor inovador, ele busca com dedicação mais conhecimento.

Por Débora Souza 

Foto: Rafael Carvalho 



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