UEMA Literatura deste domingo apresenta a crônica “Mudanças”, de autoria do professor do curso de Direito, Jean Nunes


Por em 26 de junho de 2022



Nesta edição, o UEMA Literatura apresenta a crônica “Mudanças”, de autoria do professor do curso de Direito, Jean Nunes

Mudanças

A caixa estava sobre a mesa. Muda, lacrada, absolutamente imóvel. Eu poderia ter ido embora, fingindo que não me importava. Mas não era justo. Os objetos, a caixa, aquela sala, tudo ali merecia um pouco mais. Uma despedida, ao menos. A solidão me encorajou. Peguei a tampa da caneta e parti a fita adesiva.

Um a um, fui tirando os objetos e os colocando sobre a mesa. O primeiro carimbo, o grampeador que nunca funcionou, o diploma de agradecimentos enviado pelo movimento social, a fotografia amarelecida… Peças delicadas, enferrujadas pelo tempo, que compunham o quebra-cabeças da história ali vivida por todos aqueles anos.

Perdoem-me os poetas, mas a razão parece estar com os físicos. Viver é a mais paradoxal e desequilibrada síntese entre a inércia e o movimento. Sem repouso, viveríamos na erraticidade, não teríamos memória, eixos, raízes… e o pior, nem sonhos. Quis a natureza que dormíssemos um terço do dia para que sonhássemos, pois são os sonhos que nos definem, que nos tornam humanos. Sem movimento, por outro lado, o tédio nos empurraria ao precipício. No fino equilíbrio dinâmico entre essas duas variáveis, está uma grande parcela dos desafios humanos.

Por isso nos é tão difícil lidar com as mudanças. É ela a interseção perfeita entre a inércia e o movimento; o conhecido e o desconhecido; o medo do futuro e a negação do presente e do passado; o buraco negro, para me manter fiel à física, de nossas existências. Para onde ele nos conduzirá? Nem a física sabe. Talvez os poetas…

A vida me trouxe algumas grandes mudanças. Nem todas decorrentes da minha vontade. Aceitá-las, quando além de minhas forças, foi fundamental para fazer as pazes com o tempo, asserenar minhas inquietações e, principalmente, abandonar a culpa.

Havia, pois, razão para me despedir. Fazia pazes com o que vivi, com o que fiz, com os erros que cometi. Foi por isso que limpei cada um daqueles objetos. Não era justo que eles fossem para o arquivo sem que tivessem sido por mim embalados. Coloquei-os, cuidadosamente, dentro da caixa e passei novamente a fita, encerrando o ritual fúnebre e o meu luto.

Lá fora, uma chuva fina me aguardava entre as coloridas bandeiras que trepidavam alegres com a chegada da brisa marinha enquanto esperavam pelo São João na capital. Embrenhei-me por elas, a passos firmes e sem olhar para trás.



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