ARTIGO: Retomada da Extensão Universitária no contexto pós pandemia


Por em 6 de maio de 2020



WhatsApp Image 2020-05-06 at 14.26.38Estamos vivendo uma das maiores crises sanitárias de todos os tempos, com recomendação expressa, e até obrigatoriedade, de diversos tipos de restrições, notadamente o isolamento social, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), Instituições e autoridades locais. A despeito dos diversos reflexos gerados por uma crise dessas proporções, a Universidade foi diretamente afetada com a suspenção de suas atividades, inclusive por determinação do próprio MEC. Dentre elas, gostaria de abordar a influência sobre um dos pilares da Universidade, a Extensão, que na sua mais ampla concepção, caracteriza-se pela interação transformadora entre universidade e sociedade, complementando sua indissociabilidade do ensino e pesquisa.

No atual cenário, o sentimento de angústia e incerteza gerados pode nos levar a pensar no pior, acabando por bloquear as alternativas no horizonte. Entretanto, as palavras de ordem são prudência e inteligência para poder enfrentar da melhor forma, no âmbito acadêmico, as repercussões que virão de todo esse caos. A forma de encarar os problemas fará diferença nesse momento, lembremo-nos que por trás de grandes desafios surgem também oportunidades, e nesse contexto, a extensão pode ter um papel fundamental, tendo em vista que é uma área relativamente versátil em que suas ações podem ter impacto a curto, médio e longo prazo em diversos aspectos da situação atual.

A princípio, o maior desafio é a retomada das atividades de maneira gradativa de acordo com as atualizações dos boletins diários e determinação das autoridades responsáveis. Enquanto isso, novas ações de extensão poderiam ser iniciadas para atuar diretamente na resolução da crise, claro, seguindo as orientações vigentes, quanto ao distanciamento, higiene e uso de equipamentos para segurança tanto dos colaboradores quanto para o público alvo. Não apenas com ações diretas para quem é da área da saúde, com apoio no atendimento, triagem e testagem da população, que num primeiro momento seriam as prioridades. A UEMA compõe um conjunto de cursos da área da saúde e deve dispor de projetos que podem ser adequados a nova realidade, prestando a assistência tão necessária para este momento. Destaco o curso de Medicina Veterinária com importante papel na saúde pública, ainda mais considerando a atual discussão da origem dessa pandemia e sua relação com animais. Ações relacionadas a prestação de serviço e apoio operacional são fundamentais e não deixam de ser ações de extensão, mesmo que não sejam “oficializadas”. Recentemente li uma reportagem no qual o curso de Engenharia Mecânica estava produzindo respiradores mecânicos para uso nas UTIs. Um grupo do curso de Geografia estava realizando um mapeamento dos casos de Covid-19 no nosso Estado do Maranhão, oferecendo dados importantes para as tomadas de decisão estratégicas. A Universidade aparece desta forma neste momento, contribuindo com os resultados de sua pesquisa e quem leva isso a comunidade é a Extensão, afinal é nessas horas que a Universidade verdadeiramente devolve a sociedade o seu investimento.

Seguindo a linha do ensino, os recursos tecnológicos nunca foram tão importantes quanto na atual circunstância para o desenvolvimento de ações. Mesmo a distância, é possível levar cursos de extensão, palestras, treinamentos, consultorias e outros. Nesse momento a modalidade “EAD” ganha força. Grande parte dos projetos de extensão prevê ações que contemplem alguma dessas modalidades e desta forma poderíamos resolver parte dos problemas relacionados, ganhado interatividade on-line com o público alvo. O próprio Ministério da Saúde está realizando um grande treinamento em conjunto direcionado aos profissionais da área para atuar no combate a pandemia. As ações que envolve a necessidade de um cenário de prática presencial teriam que se adequar à nova realidade, mantendo a proteção mútua. Como atuo na Medicina Veterinária, me direciono algumas sugestões para essa ou áreas afins, entretanto valendo-se da inovação e criatividade,  cada um e de cada ação devem apresentar alternativas mais apropriadas as características peculiares de seus projetos e as mudanças serão basicamente relacionadas a logística de execução das metodologias, de forma organizada e segura.

Atualmente trabalho com duas frentes de projetos de extensão. A primeira oferecendo atendimento clínico-cirúrgico na área de Oftalmologia Veterinária e um segundo projeto relacionado a uma grande equipe para o funcionamento do CASTRAMÓVEL, que leva serviços e cirurgia de castração para as comunidades carentes afim de controlar o crescimento da população de animais errantes. Ambas sofrem prejuízos significativos com a atual situação e certamente terão de ser repensadas. Todas têm dependência direta com o funcionamento do Hospital Veterinário Universitário (HVU), um grande pólo de realização de extensão da nossa Universidade, oferecendo serviços essenciais a comunidade. O mesmo terá de reforçar as medidas de segurança com a ampliação do uso de EPIs e alterações na forma de atendimento. Propõe-se quem sabe uma triagem com agendamentos remotos (on-line), reduzindo a quantidade de pessoas no local. Os atendimentos passariam a ser organizados com a entrada de uma pessoa por vez nos consultórios e ampliando a demanda de atendimento interno reduzindo também o contato com os tutores, inclusive com uma provável diminuição do número de atendimentos absolutos, o que acarretaria outras implicações para o HVU. Para tal, toda a equipe deve passar por um treinamento, o que deve ser contemplado por ações de extensão. De tal modo que a extensão poderá estar presente nas diversas formas de adequação da Instituição em suas mais variadas áreas.

Os projetos relacionados a oftalmologia seguiriam as adequações necessárias ao funcionamento do Hospital Veterinário, entretanto o atendimento pelo CASTRAMÓVEL já teria uma dificuldade maior. Como levar atendimento presencial ao público, garantindo segurança? Bom, a única forma que vejo seria também a realização de triagem e agendamento escalonado de forma a evitar aglomerações, também via online. Adeus a metodologia tradicional, novas formas de atendimento devem ser discutidas trazendo a luz outras possibilidades, mantendo o foco na continuidade dos trabalhos. Parecerias e equipes multidisciplinares são grandes alternativas, acompanhado da solidariedade que a pandemia vem nos ensinando nestes tempos.

Obviamente não é tão simples quanto parece, mas esforços devem ser dispensados no sentido de redirecionar as novas ações para as novas demandas. Pensando mais a médio e longo prazo, as opções são as mais variadas. Acredito que novos tempos virão, uma nova era. Muitas mudanças nas relações interpessoais e condutas e quem enxergar poderá se antecipar. Talvez essa seja a grande oportunidade de refletir os hábitos do passado e reinventar-se, expressando isso nos novos projetos. Tenho visto inúmeras iniciativas totalmente adaptadas a nossa realidade que rapidamente foram instituídas, por exemplo “Lives”, entregas delivery, aplicativos e ações solidárias para a crise. Enquanto alguns setores estão sofrendo com as paralizações (notadamente o comércio), outros seguem em franco crescimento, parece até que o “Ifood” previa essa demanda e nunca se utilizou tanto esse tipo de serviço, fabricas de insumos hospitalares nem se fala. Exemplos como estes devem pautar nossas ideias de projetos daqui para frente, ou ao menos estar presente em parte das metodologias.

Os projetos de extensão poderão estar voltados para a resolução dos problemas da nova era, e posso estar exagerando, mas os reflexos econômicos gerados devem aumentar o abismo da diferença social e a Universidade no seu contexto extensionista, pode ajudar a diminuir esses impactos. Estes são apenas exemplos do que podemos fazer e do potencial da extensão, e devemos estar preparados. Podemos estar perdidos, mas logo as coisas estarão mais claras e a extensão pode dar esse “empurrão” para o caminho certo. Por enquanto nos cuidemos e mantenhamos nossas mentes limpas, vamos precisar de todos saudáveis para seguir os novos rumos.

IMG-20200429-WA0011Por Prof. Tiago Barbalho.

O professor Tiago Barbalho é da UEMA, Departamento das Clínicas Veterinárias (CCA). 
Médico Veterinário e Doutor em Cirurgia Veterinária.


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